Num país onde a cultura do pedido e do favor está fortemente implantada,
no qual é quase ofensivo recusar uma oferta, é difícil fazer valer o conceito
de conflito de interesses. Antigamente era o cabaz de Natal ou de Páscoa que se
levava ao professor primário, ao chefe de repartição, ao Senhor Doutor ou a
todo aquele que pudesse decidir em qualquer processo de avaliação ou seleção. Era
(é?) também a contratação dos mais variados familiares, em todos os graus, ultrapassando
em muito o conceito novelesco de família. São costumes nos quais assentou – e,
pelos vistos, ainda assenta – uma série de interações sociais que, na verdade, vão
muito para além do aceitável, pelo menos nos dias que correm.
A coisa é tão enraizada que mesmo os governantes – para os quais o
conflito de interesses devia ser uma das primeiras preocupações – alegam o
caracter socialmente aceitável, e eminentes juristas se põem a discutir a legalidade
ou não de aceitar uma oferta desta ou daquela empresa mesmo quanto quem recebe
faz parte de uma equipa cujas decisões em muito podem favorecer ou desfavorecer
quem oferece. Pode até ser que no confuso panorama jurídico nacional – que para
o comum dos mortais é tão indecifrável como as leis da Idade Média – a questão
não esteja clara, mas alguém ainda tem dúvida de que é eticamente inaceitável?
O que é pena é que tenham que ser entidades externas a chamar a atenção
para os conflitos de interesses que por cá grassam. Foi esse o triste caso da
proposta de dezanove administradores da Caixa Geral de Depósitos feita pelo
Governo de Portugal. Para oito deles, o Banco Central Europeu viu-se na
contingência de alertar para os conflitos de interesses e recusá-los. Os
conflitos existiam claramente mas, pelo vistos, a coisa parece ser tão comum em
Portugal que já ninguém se apercebe de que eles existem e chega-se ao ponto de
avançar a nível Europeu com propostas destas, de boa fé, com a melhor das
intenções.
E logo, de fora, surge o
problema, o vexame, o puxão de orelhas. É claro que a solução é muito simples:
o conflito de interesses só existe porque a lei está errada. Portanto, mude-se
a lei, faça-se uma à medida, para que o conflito deixe de existir e tudo volte
a estar no lugar. Nada de conflitos de interesses. Transparência total!