quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

As universidades e a investigação


Não é que eu tenha alguma coisa contra a ligação entre universidade e empresas – antes pelo contrário, já que ao longo da minha carreira na universidade tive oportunidade de estar envolvido em várias atividades de prestação de serviços e de transferência de tecnologia, das quais muito beneficiaram ambas as partes – mas tenho que confessar que me faz confusão (ia dizer, que me revolta) ouvir políticos com responsabilidades de governação dizerem que a investigação que se faz nas universidades tem que estar virada para as empresas portuguesas.

Só posso entender isso como desconhecimento – bastante profundo, digamos – do que é a missão das universidades por um lado e, por outro, do que é a investigação, quer fundamental quer aplicada, e qual o seu papel.

Se algo marca a sociedade ao ponto de a ter mudado radicalmente nas últimas décadas, criando infindáveis oportunidades de negócio, milhares de milhões de empregos, e mercados de valor incalculável a nível global, é o extraordinário desenvolvimento tecnológico, que assenta em investigação fundamental e aplicada. Pensemos, por exemplo na Internet atual, nas tecnologias da informação e da comunicação, e em todos os serviços que a elas recorrem nas mais variadas áreas e em todos os sectores.

Pois a esmagadora maioria dessa investigação e desse desenvolvimento foi levada a cabo nas universidades e instituições de investigação por esse mundo fora, Portugal incluído.  Não fossem as universidades e a investigação que aí se faz, muitas das “benditas” empresas ainda estariam com produtos, serviços e modelos de negócio de há décadas atrás, ou não existiriam sequer. Não fossem as universidades e a investigação e o mundo em que vivemos seria muito diferente, para pior. Será que alguém com dois dedos de testa duvida disso? Só se viver numa torre de marfim (a propósito: só quem está numa torre de marfim pode pensar que as universidades estão fechadas sobre si mesmas).

A questão é que é necessário tempo para que a investigação produza efeitos e tenha impacto (uma pequena parte da investigação, por sinal, mas as coisas são como são). Mas mesmo durante o tempo de espera existem efeitos extremamente benéficos para a sociedade. E mesmo a investigação que não tem aplicação prática aparente é de extrema importância. É que sem investigação não existe excelência nas universidades, sem excelência não existem cursos superiores de elevado nível e sem estes não existem pessoas com sólida formação, capazes de responder aos desafios da nossa sociedade.

Além disso – e já que se fala tanto em exportação, pensando em empresas – não nos esqueçamos que a investigação é uma atividade fortemente exportadora. Muita da investigação que se faz em Portugal é feita em contexto internacional e traz fortes benefícios económicos para o país. Hoje em dia, as universidades “exportam” a sua investigação para qualquer ponto do globo, criando riqueza, e competem em ambiente internacional com resultados notáveis. Pensar que só as empresas exportam e só as empresas interessam é, no mínimo, ter uma visão muito redutora do mundo em que vivemos, ignorando a enorme fonte de riqueza e de progresso, quer humano quer económico, que são as universidades.

Por tudo isto digo: deixem as universidades trabalhar e continuar a decidir qual a investigação que devem fazer e como. Dêem-lhes tempo e liberdade, pois o passado e o presente demonstram claramente que daí resultam enormes benefícios para a todos.