Não é que eu tenha alguma coisa contra a ligação entre universidade e
empresas – antes pelo contrário, já que ao longo da minha carreira na
universidade tive oportunidade de estar envolvido em várias atividades de
prestação de serviços e de transferência de tecnologia, das quais muito
beneficiaram ambas as partes – mas tenho que confessar que me faz confusão (ia
dizer, que me revolta) ouvir políticos com responsabilidades de governação
dizerem que a investigação que se faz nas universidades tem que estar virada
para as empresas portuguesas.
Só posso entender isso como desconhecimento – bastante profundo,
digamos – do que é a missão das universidades por um lado e, por outro, do que
é a investigação, quer fundamental quer aplicada, e qual o seu papel.
Se algo marca a sociedade ao ponto de a ter mudado radicalmente nas
últimas décadas, criando infindáveis oportunidades de negócio, milhares de
milhões de empregos, e mercados de valor incalculável a nível global, é o
extraordinário desenvolvimento tecnológico, que assenta em investigação
fundamental e aplicada. Pensemos, por exemplo na Internet atual, nas
tecnologias da informação e da comunicação, e em todos os serviços que a elas
recorrem nas mais variadas áreas e em todos os sectores.
Pois a esmagadora maioria dessa investigação e desse desenvolvimento
foi levada a cabo nas universidades e instituições de investigação por esse
mundo fora, Portugal incluído. Não
fossem as universidades e a investigação que aí se faz, muitas das “benditas”
empresas ainda estariam com produtos, serviços e modelos de negócio de há
décadas atrás, ou não existiriam sequer. Não fossem as universidades e a
investigação e o mundo em que vivemos seria muito diferente, para pior. Será
que alguém com dois dedos de testa duvida disso? Só se viver numa torre de
marfim (a propósito: só quem está numa torre de marfim pode pensar que as
universidades estão fechadas sobre si mesmas).
A questão é que é necessário tempo para que a investigação produza
efeitos e tenha impacto (uma pequena parte da investigação, por sinal, mas as
coisas são como são). Mas mesmo durante o tempo de espera existem efeitos
extremamente benéficos para a sociedade. E mesmo a investigação que não tem
aplicação prática aparente é de extrema importância. É que sem investigação não
existe excelência nas universidades, sem excelência não existem cursos
superiores de elevado nível e sem estes não existem pessoas com sólida
formação, capazes de responder aos desafios da nossa sociedade.
Além disso – e já que se fala tanto em exportação, pensando em empresas
– não nos esqueçamos que a investigação é uma atividade fortemente exportadora.
Muita da investigação que se faz em Portugal é feita em contexto internacional
e traz fortes benefícios económicos para o país. Hoje em dia, as universidades
“exportam” a sua investigação para qualquer ponto do globo, criando riqueza, e
competem em ambiente internacional com resultados notáveis. Pensar que só as
empresas exportam e só as empresas interessam é, no mínimo, ter uma visão muito
redutora do mundo em que vivemos, ignorando a enorme fonte de riqueza e de
progresso, quer humano quer económico, que são as universidades.