Umas das vantagens de um blogue deste tipo é que tanto dá para falar de
assuntos sérios como de assuntos mais ligeiros. Pois hoje escolhi um que, não
deixando de ser sério, também pode ser usado para descontrair: o dos “pontapés”
na língua portuguesa que se ouvem todos os dias e em todos os sítios. Entendo
que o português seja uma língua muito rica, difícil, complexa, mas quem faz da
língua uma profissão ou quem a utiliza como veículo principal, como é o caso de
quem trabalha em meios de comunicação social, deveria ser obrigado a estudar
línguas, incluindo outras que não a sua língua materna.
Muitos dos atentados à nossa doce língua portuguesa têm origem em más
(eu diria péssimas) traduções de outras línguas, em especial do inglês. Por
exemplo, nos aeroportos é frequente ouvir-se dizer, anunciado aos quatro ventos
vezes sem conta, que só é permitido fumar em “áreas designadas”. Mas será que
alguém usa essa expressão, que tresanda às “designated areas” do inglês, na
língua de Camões? Porque é que ninguém diz a quem faz essas “traduções” que
cada língua tem a sua forma de dizer as coisas e que há coisas que não se
traduzem à letra?
Como esta, ou pior, é a expressão “libertar informação”, dita até à
exaustão nas televisões portuguesas, no contexto de um conhecido caso passado
no Algarve, com forte repercussão nos media ingleses. Será que os supostos
jornalistas portugueses não percebem que em inglês se diz “to release
information” mas que em português a informação não se liberta e sim divulga-se?
Há que ter dois dedos de testa!
E como esta há muitas. Em português uma pessoa não “comete suicídio”,
suicida-se! Mas a pior e mais hilariante de todas é o “santuário de focas” (ou
de quaisquer outros animaizinhos ameaçados). Por muito que os portugueses
julguem, em inglês a palavra “sanctuary” não significa apenas santuário, mas também
refúgio ou proteção. Basta ver em qualquer bom dicionário de inglês nativo, não
os de inglês-português que se vendem em qualquer livraria. É certo que,
etimologicamente, a palavra tem uma origem relacionada com os locais de culto,
só que a sua conotação depende do contexto. Na Idade Média, o “right of
sanctuary” era o direito que qualquer pessoa – criminosa ou não – tinha de
recorrer à proteção dos locais sagrados, nos quais as autoridades seculares não
tinham jurisdição, e daí a conotação de local de refúgio ou proteção.
Por isso, quando num qualquer documentário sobre vida animal se fala em
“seal’s sanctuary”, a tradução correta é a de um refúgio ou reserva para focas.
É que as focas não rezam e, portanto, não frequentam santuários.