quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

As focas não rezam


Umas das vantagens de um blogue deste tipo é que tanto dá para falar de assuntos sérios como de assuntos mais ligeiros. Pois hoje escolhi um que, não deixando de ser sério, também pode ser usado para descontrair: o dos “pontapés” na língua portuguesa que se ouvem todos os dias e em todos os sítios. Entendo que o português seja uma língua muito rica, difícil, complexa, mas quem faz da língua uma profissão ou quem a utiliza como veículo principal, como é o caso de quem trabalha em meios de comunicação social, deveria ser obrigado a estudar línguas, incluindo outras que não a sua língua materna.

Muitos dos atentados à nossa doce língua portuguesa têm origem em más (eu diria péssimas) traduções de outras línguas, em especial do inglês. Por exemplo, nos aeroportos é frequente ouvir-se dizer, anunciado aos quatro ventos vezes sem conta, que só é permitido fumar em “áreas designadas”. Mas será que alguém usa essa expressão, que tresanda às “designated areas” do inglês, na língua de Camões? Porque é que ninguém diz a quem faz essas “traduções” que cada língua tem a sua forma de dizer as coisas e que há coisas que não se traduzem à letra?

Como esta, ou pior, é a expressão “libertar informação”, dita até à exaustão nas televisões portuguesas, no contexto de um conhecido caso passado no Algarve, com forte repercussão nos media ingleses. Será que os supostos jornalistas portugueses não percebem que em inglês se diz “to release information” mas que em português a informação não se liberta e sim divulga-se? Há que ter dois dedos de testa!

E como esta há muitas. Em português uma pessoa não “comete suicídio”, suicida-se! Mas a pior e mais hilariante de todas é o “santuário de focas” (ou de quaisquer outros animaizinhos ameaçados). Por muito que os portugueses julguem, em inglês a palavra “sanctuary” não significa apenas santuário, mas também refúgio ou proteção. Basta ver em qualquer bom dicionário de inglês nativo, não os de inglês-português que se vendem em qualquer livraria. É certo que, etimologicamente, a palavra tem uma origem relacionada com os locais de culto, só que a sua conotação depende do contexto. Na Idade Média, o “right of sanctuary” era o direito que qualquer pessoa – criminosa ou não – tinha de recorrer à proteção dos locais sagrados, nos quais as autoridades seculares não tinham jurisdição, e daí a conotação de local de refúgio ou proteção.

Por isso, quando num qualquer documentário sobre vida animal se fala em “seal’s sanctuary”, a tradução correta é a de um refúgio ou reserva para focas. É que as focas não rezam e, portanto, não frequentam santuários.


terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Está tudo ao contrário!


Agora que estamos em campanha para as eleições presidenciais torna-se-me ainda mais evidente a falta de objetividade e a confusão mental de muitíssimos (demasiados) portugueses.

Isto da falta de objetividade tem raízes longas, quiçá relacionadas com problemas estruturais da nossa educação, que se refletem na nossa cultura quer queiramos quer não. É por isso que ninguém se admira que se discuta qual o melhor adversário para as meias finais de uma competição quando nem sequer estamos nos quartos de final, que nos envolvamos em acalorados debates sobre hipotéticos factos (porque o importante é o debate de suposições, não a realidade), que nos deliciemos com a mera e remota probabilidade de que algo aconteça se este ou aquele não atingir os objetivos, numa eterna dependência em relação às decisões e/ou vicissitudes de outros.

Mas agora o que está a dar são as ideias dos candidatos a Presidente da República. Aos candidatos exigem-se ideias, tal como se eles se perfilassem para o poder executivo e viessem a estar à frente de um hipotético governo da nação. É importante ter ideias (lógico, não é?) e por isso cada um que explique o que vai fazer, como vai mudar o País, como vai “governar” a partir da Presidência da República.

Ora isso deviam-no ter feito nas legislativas, espremer as ideias aos candidatos, exigir-lhes planos de ação, pô-los entre a espada do voto popular e a parede da crise, estar preparados para lhes exigir responsabilidades mais do que promessas. Mas não, aos candidatos a Primeiro Ministro costumamos tratá-los como futuros candidatos a Presidentes da República, um último degrau antes de um final de carreira tranquilo.


Também nisto das eleições andamos sempre ao contrário!