quarta-feira, 24 de março de 2010

Comemorar, mas pouco!

Decorrem, neste ano de 2010, as comemorações do centenário da implantação da República. Até agora, o que há de saliente nessas comemorações é o facto de passarem despercebidas ao comum cidadão. Há uma quase total ausência de entusiasmo acerca dessas comemorações e só se houve falar delas quando um ou outro político, numa qualquer cerimónia, explora esse facto na expectativa de alegrar o discurso.

Afinal, pouco há a comemorar. O que aconteceu nos últimos 100 anos? De 1910 a 1926 a instabilidade politica e o caos foram constantes – prontamente atribuídos à conjuntura internacional – deitando por terra todas promessas largamente apregoadas pelos idealistas republicanos. De 1926 a 1974 tivemos quarenta e oito anos de repressão, pobreza, subdesenvolvimento e atraso. De 1974 a 1986 sucedeu-se um novo período de instabilidade, insegurança e incerteza, só ultrapassado com a adesão à União Europeia.

Vivemos em democracia, é certo, e isso é um valor inestimável. Tirando isso, nunca como agora houve tanta injustiça social, tantos privilégios injustificados, tantas diferenças entre ricos e pobres, tanto desemprego, tantas pessoas no limiar da pobreza ou abaixo dele, tanta agitação social, tantas situações desesperadas e tanta insensibilidade.

De facto, pouco ou nada parece existir que valha a pena comemorar em Portugal. Mas se isso levanta a moral deste nosso país, que se comemorem então os 100 anos da República, ainda que mais pelo número em si – que é redondo e bonito – do que pelos resultados que a República nos trouxe. À falta de melhor, ao menos que sirva esse facto de pretexto para que se comemore alguma coisa.

domingo, 21 de março de 2010

O défice de decência

Li há poucos dias num jornal de economia que, apesar da profunda crise económica que grassa em Portugal e no Mundo (mais no primeiro do que no segundo), determinada grande empresa portuguesa tinha conseguido obter, no ano de 2009, mil milhões de euros de lucro.

Naturalmente que tal facto era apontado como algo de muito positivo para a economia, dado que é de empresas sólidas que se faz uma economia sólida, blá blá blá blá blá blá, tal como todo e qualquer bom economista – daqueles que têm nas últimas décadas e, até, no último século, levado aos excelentes resultados do país – defende. Isto fez-me reflectir em três questões que passo a abordar.

A tese de que os grandes lucros são indicadores de economias sólidas não passa – em meu entender, que sou leigo, mas que tenho a meu favor não ser um iluminado economista responsável por crises económicas nacionais – de um enorme mito. De facto, a história mostra que é em épocas de crise profunda que os lucros crescem desmedidamente, assim como é nos países mais pobres que se encontram enormes fortunas. Não é por acaso que o fosso entre ricos e pobres se tem vindo a agravar fortemente neste nosso país há décadas em crise.

Naturalmente que o Estado – muito criticado por intervir e por não intervir – deveria, de alguma forma, exercer uma função reguladora, protegendo os mais fracos e moderando os mais fortes. É assim nos países desenvolvidos e ricos, onde o Estado funciona. É claro que, neste caso, só em impostos o Estado vai receber 100 milhões de euros, pelo que não há interesse em regular o que quer que seja. Se ao menos o contribuinte tivesse a certeza de que esse dinheiro seria bem usado, do mal o menos.

O que me espantou mais, acima de tudo, foi o facto de essa empresa ter, por diversas vezes, afirmado que os preços dos bens/serviços que iria prestar teriam que subir num futuro próximo, pois há um défice de facturação, no que foi logo secundada pela entidade reguladora do sector. Provavelmente por eu ser leigo, como já acima referi, é que não percebi. Pensava eu que se uma empresa dá tantos lucros é porque está a facturar de tal forma que consegue compensar todos os custos de produção e ainda lhe sobra dinheiro para investimento. Certamente que, na minha ignorância, estou enganado, e há mesmo necessidade de subir os preços. Ou isso ou então, em vez de défice de facturação, o que existe é um défice de decência.