domingo, 28 de fevereiro de 2010

Meteorologia e Economia – semelhanças e diferenças

À primeira vista, meteorologia e economia nada têm em comum. Há, no entanto, quem diga que a semelhança reside no facto de as condições meteorológicas dependerem tanto dos meteorologistas como a economia depende dos economistas: nada. Existe, no entanto, uma outra semelhança: quer meteorologistas quer economistas são proficientes a explicar o que se passou e frequentemente falham na previsão do que se vai passar. Por este motivo, também frequentemente, parecem mais artes de adivinhação do que respeitáveis ciências.

Já no campo das diferenças, muito mais há a dizer. Para além daquelas que resultam da natureza totalmente diversa do seu objecto de estudo, há uma que considero a mais marcante de todas: a diferença de atitude e comportamento que induzem nas pessoas, em face de uma catástrofe.

As catástrofes meteorológicas despertam, em regra, forças anímicas insuspeitadas e gigantescas ondas de solidariedade. Tomemos como exemplo a catástrofe que assolou a Região Autónoma da Madeira em 20 de Fevereiro de 2010. Chorando ainda as vítimas, o povo da Madeira uniu-se e ergueu-se acima de todas as adversidades, mostrando a sua indomável vontade de vencer. Por outro lado, todo o País se juntou, a todos os níveis, no apoio à Madeira.

Já em presença de catástrofes económicas a atitude é radicalmente diferente. Os interesses mesquinhos tornam-se mais mesquinhos, a exploração e o lucro a todo o custo trazem à superfície o que de pior existe nas pessoas e nas organizações. Pensemos nos resultados da catástrofe económica que assola o Mundo desde finais de 2008. Empresas com lucro despedem pessoal para reduzir custos e aumentar ainda mais os lucros. Entidades financeiras clamam por ajuda dos Estados e, logo que a obtêm, recusam-na a quem lhas pede. Os valores sociais quase desaparecem e tudo se passa a reger por uma lógica ainda mais cegamente economicista.

É interessante – e, infelizmente, trágica – esta diferença. E, afinal, pensando bem, nem deveria existir tanta diferença pois, quando toca a catástrofes, quer as meteorológicas quer as económicas têm as mesmas vítimas: as pessoas.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O precário descanso de D. Afonso Henriques

No Diário de Coimbra datado de 10 de Dezembro de 2009 deparei-me com uma notícia intitulada “Investigadora vai realizar novo esforço para abrir túmulo de D. Afonso Henriques”. Em sub-título, sugere-se que a tentativa de há cerca de três anos se gorou pois houve “medo que a História fosse mudada”.

Porque estou a habituado, por formação (ou deformação) profissional, a tentar encontrar justificações racionais para as coisas – ainda mais quando estas se revestem de potencial importância – perguntei-me se, de facto, o objectivo da tentativa de 2006 e, já agora, desta anunciada nova tentativa foi ou será o de mudar a História. Existirá algum motivo científico que justifique a exumação e realização do pretenso estudo das ossadas do Fundador de Portugal, D. Afonso Henriques?

A haver tal motivo teria, de facto, de ser de natureza histórica. Quais os historiadores que reclamam a necessidade do estudo e quais os factos históricos concretos que importa clarificar? Tanto quanto consegui apurar, nenhuns! Com efeito, em termos de ciência histórica, não existem quaisquer dúvidas relevantes que o estudo tenha por objectivo ou possa esclarecer.

Por outro lado, a investigadora que pretende justificar a abertura do túmulo com alegados motivos de natureza histórica não é historiadora e sim antropóloga. Ora, determinar a estatura, determinar o tipo de alimentação, analisar possíveis fracturas, ou proceder a uma sempre duvidosa ‘reconstituição’ facial, em nada contribui para o conhecimento da perfil histórico de D. Afonso Henriques.

Também em termos biológicos e/ou antropológicos, não existe qualquer valor científico no estudo, pois não se reveste de particular dificuldade, não vai conduzir a qualquer avanço das ciências em causa, nem será diferente de qualquer outro estudo da mesma natureza que se tenha realizado ou venha a realizar sobre ossadas de indivíduos da mesma época ou de épocas próximas.

Se cientificamente não parece existir justificação para o estudo em causa, porquê esta atracção pelo túmulo de D. Afonso Henriques e porque é que o estudo das suas ossadas colhe o aplauso e incentivo de vários cidadãos menos ligados à ciência histórica ou outra? Em boa parte, porque é moda, porque o folclore das séries de televisão do tipo C.S.I. lhes entra pela casa dentro, por simples coscuvilhice disfarçada de curiosidade histórica e porque a tecnologia o permite.

Acessoriamente, fugindo ao raciocínio objectivo e claro, vai-se dizendo que ‘houve medo’, que ‘o material veio do estrangeiro’, que no último minuto a intervenção foi ‘desautorizada’ e que ‘túmulos históricos são abertos um pouco por todo o mundo’. Será que se insinua que somos, por isso, atrasados? Que lá fora é que se sabe fazer as coisas? Que se começarmos a abrir túmulos damos um sinal de modernidade? Infelizmente, muitas pessoas se deixam levar por argumentos deste tipo, despidos de qualquer racionalidade. Por vezes, até o bairrismo é chamado à questão, chegando mesmo alguns habitantes locais a ficarem ‘indignados’ por esta ‘afronta’ do poder central.

Nenhum túmulo histórico anteriormente aberto noutras partes do mundo o foi de ânimo leve e seguramente, também não o foi porque um determinado investigador particular se lembrou de o fazer. Obviamente, não é por não se abrir túmulos de figuras históricas que o País fica mais atrasado. Também obviamente, ninguém coloca em causa a capacidade técnica e científica dos nossos investigadores, em geral, nem da investigadora que propôs o estudo, em particular, cuja reputação é sobejamente conhecida. A questão é que este tipo de estudos tem que ser sólida e objectivamente fundamentado em necessidades amplamente sentidas e reconhecidas pela comunidade científica e, no caso concreto da abertura do túmulo do nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques, essa fundamentação é manifestamente inexistente.

Nada se ganha, por isso, com o estudo proposto. O único resultado prático de tal estudo será, no essencial, o aumento da notoriedade alcançada pela sua responsável, conseguida não à custa do mérito científico do estudo, mas sim da extraordinária dimensão e importância da figura que dele será alvo. Antes de se gastar recursos nisso, melhor seria que recursos equivalentes fossem aplicados na recuperação da velha Igreja de Santa Cruz, em Coimbra, que, com o passar dos anos, se tornou num espaço triste e sombrio, muito aquém do que se impõe para local de descanso dos dois primeiros reis do nosso Portugal.