quarta-feira, 18 de setembro de 2019

A vaca expiatória


Todos estamos preocupados com o ambiente, com as chamadas alterações climáticas, com o nosso planeta. É uma preocupação plenamente justificada, que resulta de uma muito maior consciencialização do impacto que a atividade humana tem no ambiente. De repente – há muito pouco tempo, diga-se – demo-nos conta de que tudo o que fazemos a outras espécies ou aos mais variados habitats naturais tem impacto direto na sustentabilidade da Humanidade, pelo simples facto de que todos temos a mesma casa e todos temos o mesmo destino. A vida na Terra não é viável sem um ambiente limpo.

Neste cenário, e no que toca emissões atmosféricas, os gases de efeito de estufa, como o dióxido de carbono ou o metano, são reconhecidos como ‘inimigos’, pois contribuem para o aquecimento do planeta. E vai daí que, estudo para cá e estudo para lá, alguém se lembrou da produção de carne de vaca. É certo que é uma atividade que implica a emissão de gases de efeito de estufa, mas porquê apontar o dedo a uma atividade específica no meio de tantas outras (por exemplo, a produção de arroz também gera emissões substanciais de gás metano)?

Na verdade, há muito com o que nos preocuparmos, pois praticamente tudo o que sustenta a nossa Civilização foi ou é conseguido à custa de danos ao ambiente. Já pensou nas quantidades gigantescas de energia necessárias para manter a Internet, os centros de dados e as redes de telecomunicações a funcionar? Já pensou nos danos ambientais gerados pela produção e eliminação de quantidades incomensuráveis de equipamentos eletrónicos, entre os quais os telemóveis que muitos gostam de trocar por uma mera questão de moda ou vaidade? Já pensou que quando consome frutas ou legumes fora de época, importados desde o outro lado do mundo, está a fomentar a emissão de gases de efeito de estufa causados pelos transportes? E o mesmo se passa com as roupas e todo o tipo de bens. Já pensou que, em Portugal, cerca de 85% das deslocações são realizadas em viatura própria. 

É claro que muito do que fazemos não é sustentável, mas não nos limitemos ao consumo de carne de vaca, sob pena de falharmos o essencial e cairmos no ridículo. O que é importante é trabalhar no sentido de tornarmos todas as atividades mais sustentáveis, ambientalmente menos agressivas ou mesmo inócuas. Para isso existem já algumas soluções e muitas mais serão estudadas e aparecerão no curto ou médio prazo. Naturalmente, uma delas é a redução do consumo de recursos, alimentares ou não, pois desperdiça-se muito.

Todos queremos e devemos contribuir para um melhor planeta. Talvez apontar o dedo a um problema específico, fazendo dele ‘o Problema’, faça muitos sentirem-se bem, o que lhes permitirá terem uma consciência menos pesada quando continuarem a contribuir com tudo o resto para um mundo pior, mas não me parece que fazer das vacas um ‘bode expiatório’ seja a solução.